Ars curandi Wiki
Registre-se
Advertisement

A medicina greco-romana – Uma pequena história

Introdução – Enquadramento histórico

A medicina greco-romana, apesar do seu nome pomposo, diz apenas respeito à medicina grega que era praticada pelos médicos gregos na altura do império romano. De facto, muitas das personalidades que se destacaram na medicina greco-romana, tanto na área da medicina propriamente dita como na área da matéria médica, eram na sua origem gregos.

Podemos dividir a medicina grega em três períodos históricos importantes: o período pré-hipócrates – vai desde o início da medicina propriamente dita até sensivelmente 460 a.c. -, o período clássico – 460 até 146 a.c. – e o período greco-romano – 146 a.c. até 476 d.c.

Embora a medicina greco-romana diga apenas respeito à medicina praticada por médicos gregos em Roma, torna-se necessário retornar um pouco atrás no tempo e perceber as raízes da medicina grega na história e na mitologia.

Só nos nossos dias, com todas as pesquisas bibliográficas e arqueológicas feitas nesta área, é que foi possível pela primeira vez ter uma ideia de como era a medicina praticada pelos gregos em Roma. E porque este texto é apenas uma pequena parte daquilo que se sabe actualmente é que foi intitulado “A medicina greco-romana – uma pequena história”.


O Início da medicina grega – História e Mitologia

A formação do antigo povo grego deveu-se à invasão de vários povos, provenientes da zona do Danúbio, da península balcânica, das ilhas do mar Egeu e da Ásia menor. Essas invasões não se deram todas de uma vez, mas processaram-se em vagas de pessoas ou clãs, cada um com o seu próprio dialecto e a sua organização social.

Por causa disso, seria de esperar que cada grupo possui-se a sua própria divindade associada à saúde. De facto, dependendo da região da Grécia onde se encontravam as pessoas e da actividade comercial mais importante para a região, teríamos diferentes entidades tutelares da medicina; Isto era possível pois, de acordo com a mitologia, cada um deles tinha conhecimentos das artes de curar e podia produzir doença nas pessoas se quisessem. Tínhamos assim tutelares como Deméter, Poseidon, Artemis, Hermes, Hera ou Dioniso.

No entanto, o deus chefe da medicina, isto é, o que de certa maneira coordenava a actividade de todos os outros, era Apolo: deus do sol. No sentido racional, até tinha uma certa lógica em ser Apolo o principal deus pois, desde a antiguidade, o Sol é associado ao crescimento das plantas, à purificação e ao bom estado de saúde em geral. Na mitologia ele é também o médico dos deuses gregos, cujas feridas e doenças ele cura com a raiz de peoni. Diz a lenda que Apolo e Artemis transmitiram o seu conhecimento médico ao centauro Chiron, filho de Saturno, que por sua vez foi responsável pela educação de vários heróis como Jasão, Hércules e Aquiles. Um dos seus protegidos foi Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis.

Diz também a lenda de que a ninfa traiu o deus com outro homem enquanto estava grávida de Asclépio, tendo sido consequentemente morta por Apolo. Todavia, enquanto o corpo da ninfa estava a ser cremado na pira funerária, Asclépio nasce e o deus arranca o bebé dali, salvando-o de uma morte certa. É através desta história que nos podemos aperceber do principal objectivo da medicina antiga: a vitória da vida sobre a morte.

Chiron ficou depois encarregue da educação do filho de Apolo e, vendo depois com o seu crescimento que Asclépio manifestava talento e interesse na arte de curar, ensinou tudo o que sabia a Asclépio. Com o tempo Asclépio ganhou mais conhecimento e reputação, tendo sido considerado pelos gregos como o melhor médico que já existiu.

Todavia, por efectuar várias ressurreições, foi acusado por Hades de estar a diminuir as sombras que povoavam o seu reino, e por isso foi morto por um raio por Zeus. Quando Apolo tomou conhecimento do sucedido, insistiu com Zeus para que o filho fosse devolvido à vida, que assim o fez e o consagrou como deus da medicina.

Asclépio tinha 2 filhas e dois filhos. As primeiras eram Hygieia e Panacea e os segundos eram Machao e Podalirio, descritos até na Ilíada por Homero. O seu símbolo era um caduceu com uma serpente verde, enrolada à volta deste 5 vezes, e um cão.

Depois da sua morte e ressurreição, Asclépio passou a ser objecto de adoração, tendo sido construídos vários templos em sua honra por toda a Grécia, principalmente em Cós, Epidauro, Cnidos e Pergamos. Estes templos, construídos sobre colinas ou encostas de montanhas próximas de nascentes termais, começaram por ser os primeiros centros de cura da Grécia. O doente era recebido pelo sacerdote do templo e, depois de rezas e oferendas ao deus, era induzido no sono pela administração de poções de forma ao doente dormir.

Acreditava-se que, durante o sono, o deus aparecia no templo, através de sonhos, para curar os doentes. Nos períodos mais antigos, em que os templos foram pela primeira vez abertos, o deus aparecia com os seus animais – serpente e cão -, que lambiam e tratavam as zonas doentes do doente e este ficava curado; à medida que a medicina ia avançado em termos de conhecimento, o deus já aparecia em sonhos mais elaborados e administrava poções e ervas para curar as maleitas.

Verdade ou não, foi a partir destes templos que surgiram as primeiras escolas médicas, dos quais se vieram a destacar inúmeras personalidades e personagens da história da medicina greco-romana.

Grandes personalidades da medicina greco-romana

Foi graças aos contributos de grandes médicos e filósofos que a medicina greco-romana experimentou um avanço tão significativo que apenas é comparado ao experimentado pela medicina actual nos últimos 2 séculos. Foi também a partir dos seus estudos que as bases da medicina actual foram lançadas.

O primeiro grande contribuidor foi Alcmeon (VI a.c.). Este grande mestre em anatomia e fisiologia descobriu os nervos ópticos, a trompa de Eustáquio, fez a distinção entre artérias e veias e formulou uma primeira e rudimentar explicação para as doenças, baseada em desequilíbrios do corpo. Foi o primeiro a caracterizar a saúde como um equilíbrio no corpo humano de qualidades opostas (como o frio e o quente, o húmido e o seco, o doce e o amargo) e a caracterizar a doença como o predomínio de uma delas, baseando-se também nas ideias de Pitágoras (560-480 a.C.) sobre o equilíbrio baseado em proporções numéricas definidas.

Outro médico importante foi Empédocles (492 a.c.-?). A pesar da sua grande arrogância e de se ter dedicado a outras áreas, contribuiu para a medicina antiga com a teoria dos humores, baseada na teoria dos 4 elementos, que guiou todo o pensamento médico até ao início do século XVIII.

Hipócrates (460-370 a.c), considerado o pai da medicina, é o maior de todos os médicos da antiguidade. Criou, a partir da sua experiência, uma medicina prática baseada na observação clínica e em métodos de diagnóstico baseados na inquirição, análise do estado do doente – pulso, temperatura, excreções, dores específicas e movimentos do corpo - e raciocínio. Escreveu várias obras sobre ética médica, publicou estudos sobre doenças, saúde pública e nutricionismo e compilou as obras escritas pelos seus discípulos e mestres. Foi o primeiro médico da antiguidade a afirmar e a justificar a existência das patologias como distúrbios nos fluidos corporais - humoralismo.

Os ideais médicos de Hipócrates sobreviveram até à altura do império romano, tendo servido de base a muitos trabalhos de outros médicos e filósofos. No entanto, as suas ideias não foram aceites por todos. De facto, Asclepiades de Bitina (124 d.c.), tendo como base as ideias de Democritus, contestou as ideias de Hipócrates sobre a doença, ao afirmar que ela acontecia por contração ou dilatação das partículas sólidas que constituíam o corpo. Por isso organizou os seus próprios esquemas terapêuticos baseados na interferência constante no corpo, em vez de confiar no poder curativo da natureza como havia sido descrito por Hipócrates.

Para além dos anteriores mencionados, outras personagens foram-se destacando em vários campos da medicina como Pedacius Dioscorides (pai da Materia Medica), Aretaeus (apelidado de o segundo Hipócrates), Rufus de Éfeso (trabalhos de anatomia), Soranus de Éfeso (tratados sobre as doenças das mulheres) e Plínio o velho (Obra sobre plantas e venenos).

O último grande médico grego com contributos significativos para a medicina ocidental antiga foi Cláudio Galeno (129-216 d.c.). Baseado nos estudos de outros médicos desenvolveu e expandiu o modelo anatómico humano, elaborou vários tratamentos baseados principalmente na alopatia (tratamento pelos opostos), adoptou a teoria dos 3 pneumas como a explicação de muitas doenças (nunca descartando a teoria dos humores) e desenvolveu várias dietas e drogas para melhorar a eficácia dos seus tratamentos. Foi considerado o pai da farmácia, mas também trabalhou como oftalmologista, nutricionista, esteticista, dentista e cirurgião plástico. Poderá considerar-se que foi o pai da medicina experimental, através dos seus estudos do corpo humano através de dissecações.

O apogeu da medicina greco-romana

Foi provavelmente no século II d.c., com os contributos de Cláudio Galeno, que a medicina ocidental atingiu o seu primeiro apogeu. A medicina romana não era assim tão diferente da actual como inicialmente os historiadores pensaram. Para além dos habituais amuletos e rezas aos deuses, os arqueólogos encontraram também, em textos gregos preservados em bibliotecas ou traduzidos para árabe, métodos de diagnóstico e intervenções cirúrgicas tão avançadas para a época que não se repetiram em mais de 1500 anos. Estas descobertas puseram em causa todo o conhecimento que possuíamos até então dos nossos antepassados e alterou toda uma visão histórica sobre o avanço médico do império romano.

Segundo os escritos antigos, o culminar da medicina em Roma foi muito semelhante ao experimentado pela medicina ocidental e oriental no século XXI. A principal teoria que regia todo o diagnóstico médico e análise patológica continuava a ser a teoria dos 4 humores de Empédocles (apesar de existirem outras teorias explicativas), integrada na teoria dos 7 factores naturais

Teoria dos 4 humores

A teoria dos 4 humores assenta na ideia de que a vida de um homem ou de qualquer outro ser vivo assenta no equilíbrio entre 4 líquidos intracorporais: o sangue, a fleuma/linfa, a bílis amarela e a bílis negra, provenientes respectivamente do coração, cérebro, fígado e baço. Estes líquidos eram a representação humana dos 4 elementos, visto que cada um deles derivava da junção desses em determinadas proporções.

Cada líquido ou humor teria assim diferentes qualidades: o sangue seria quente e húmido, a linfa fria e húmida, a bílis amarela quente e seca e a bílis negra fria e seca. Seria segundo o predomínio de um destes líquidos que os indivíduos teriam diferentes tipos fisiológicos: sanguíneo, fleumático, bilioso e colérico.

Segundo a perspectiva desta teoria, a doença seria derivada de um desequilíbrio entre os humores. Esse desequilíbrio era principalmente causado por alterações na dieta alimentar do paciente, que consumia alimentos que produziam humores em excesso. Em resposta a esse excesso, o corpo tentava eliminá-los naturalmente. Por exemplo a febre seria uma causa directa da tentativa do corpo em cozer os humores em excesso.

Os médicos da antiguidade acreditavam que esse desequilíbrio se processava em três fases: a apepsia ou aparecimento do desequilíbrio, a pepsis ou inflamação provocada pelo desequilíbrio e a reacção do organismo a ele e a crisis/lysis ou a eliminação brusca dos humores a mais. Assim o papel da terapia seria ajudar o corpo ou physis a seguir os mecanismos normais, ajudando ou a expulsar os humores em excesso ou a contrariar as suas qualidades.

Esta teoria serviu de base a todo o pensamento médico romano, tendo sido alvo de pequenas e várias alterações que a enriqueceram. Algumas delas foram feitas por Cláudio Galeno. De entre essas alterações as mais significativas e peculiares são de que o corpo trabalhava como uma máquina única, perfeitamente sincronizada, e que os desequilíbrios provocados pelos humores podiam ser localizados em certas partes do corpo.

Os sete factores naturais

Apesar da teoria dos quatro elementos constituir o paradigma, por excelência, do diagnóstico médico, o estudo da patologia na medicina grega e greco-romana não se limitava apenas e exclusivamente a essa teoria.

Assim, no diagnóstico de um doente, o médico deveria ter em atenção aos chamados sete factores naturais, cujo equilíbrio era responsável para a boa saúde das pessoas saudáveis:

  1. Os quatro elementos – dos quais o corpo era constituídos;
  2. Os quatro humores – os “agentes metabólicos dos quatro elementos”;
  3. Os quatro temperamentos – ou as quatro personalidades características, dependendo do tipo de humor predominante;
  4. As quatro faculdades – As quatro funções básicas do organismo;
  5. Os princípios vitais – os tipos de energia e essências que davam vidam ao corpo (enquadram-se aqui os chamados pneumas);
  6. Os órgãos e as partes do corpo – Os constituintes básicos do corpo e o seu funcionamento;
  7. As forças ou virtudes dadas – Os 4 principais vectores que mantém o corpo em funcionamento.

Quando estes sete factores estão a funcionar em perfeita sincronia, o indivíduo goza de saúde; quando não estão a trabalhar em sincronia o indivíduo desenvolve uma patologia; quando um destes factores ou os seus componentes param de funcionar o indivíduo morre. Acreditava-se que eram os seis factores da higiene que permitiam manter este equilíbrio

Todavia, quando Galeno uniformizou a teoria médica só levou em conta os desiquilíbrios provocados pelos humores no desenvolvimento das patologias. Tal não quer dizer que ele não levasse também em conta estes sete factores, pois então não seria entendida a afirmação deste de que a anatomia era a base da formação e do conhecimento de um médico.

Os seis factores da higiene

Tanto na medicina grega clássica como mais tarde na medicina greco-romana, a higiene era definida como a ciência da saúde do corpo, tendo sido o seu descuido associado ao aparecimento de muitas doenças. Por isso, a sua prática exigia a purificação constante do corpo – dieta apropriada, exercício físico regular e apropriado, repouso suficiente e uma rotina diária saudável – e a excreção de todos os desperdícios produzidos pelo corpo, tanto físicos – fezes, urina, suor, humores mórbidos, … – como psicológicos – raiva, inveja, …

Foi por isso que se definiram desde cedo áreas nas quais as pessoas ou o médico deviam actuar para manter a boa saúde da população em geral, constituindo as bases da gestão e prevenção de doenças: os 6 factores/áreas da higiene. Estes são:

  1. Ar que nos rodeia: Dizia genericamente respeito a como o clima, o tempo e a geografia podiam influenciar o aparecimento de doenças e à correcta maneira de respirar;
  2. Comidas e bebidas: Dizia respeito ao tipo, qualidade e quantidade de comida que as pessoas deveriam ou não ingerir, isto é, qual a dieta apropriada;
  3. Exercício e descanso: Dizia respeito ao tipo de exercício mais apropriado para determinado tipo de pessoa e qual deveria ser o balanço entre o exercício praticado e o tempo de descanso;
  4. Sono e despertar: Visto o sono ter sido considerado como um factor importante na manutenção da saúde, era por isso programar uma rotina diária equilibrada, harmonizando o trabalho com o tempo de sono;
  5. Retenção e evacuação de detritos: Maneiras de controlar a evacuação dos detritos corporais e de reconhecer e tratar intoxicações pelos mesmos;
  6. Perturbações da mente e das emoções: Gestão equilibrada entre os vários estados emocionais por que as pessoas passam na sua rotina diária. Curiosamente, para tal era aconselhada uma vida sexual apropriada, activa, satisfatória e apaixonada.

Por se considerar a higiene tão importante na manutenção da vida saudável das pessoas, não era de estranhar que muitos dos médicos greco-romanos da antiguidade não baseassem o seu tratamento das patologias em dietas, descanso e exercício físico. Todavia o objectivo final era sempre o mesmo: o restabelecimento do equilíbrio corporal entre os humores. A eliminação externa de humores com recurso a sangrias não tinha na altura a importância que mais tarde veio a ter na idade média, sendo utilizada em casos muito especiais; o uso de medicamentos era também encarado como um recurso secundário e especial.

Medicina prática

Apesar da teoria dos quatro humores não ser cientificamente comprovada, permitiu à medicina ocidental antiga experimentar um avanço muito grande. É claro que os antigos não viam, por exemplo, as feridas desferidas ou as cataratas como um desequilíbrio de humores, mas sim, como uma agressão externa ao organismo que poderia provocar alterações profundas no equilíbrio dos humores, ou ainda como o resultado da contracção e/ou expansão dos átomos constituintes (é de salientar que, para os gregos e os romanos, os átomos não eram mais do que partículas minúsculas e indivisíveis que constituíam toda a matéria, incluindo os seres vivos). Era então necessária uma actuação rápida e eficaz para que este problema não se agravasse e afectasse profundamente o corpo.

Os primeiros passos para este tipo de actuações foram dados na escola de Cós, onde Hipócrates enumerou os 4 princípios da medicina que serviriam de orientação aos médicos na condução dos tratamentos:

  1. Não lesar o paciente;
  2. Abster-se do impossível: não prometer milagres;
  3. Agir contra a causa da doença;
  4. Crer na força curativa da natureza

Estes eram os 4 princípios base para tratar qualquer lesão ou doença do corpo. Para melhor os, cumprir o médico hipocrático deveria também obedecer a algumas regras de conduta:

  • Atacar as causas da doença pelos seus contrários (alopatia).
  • Agir com arte.
  • Não interferir em excesso sobre o corpo doente.
  • Educar o doente.
  • Individualizar o tratamento.
  • Aproveitar a ocasião para a intervenção.
  • Tratar o doente como um todo e não como vários componentes distintos.
  • Agir guiado pela ética.

Antes de falar dos tratamentos praticados na altura e das cirurgias efectuadas nessa altura é necessário compreender a organização do sistema de saúde do império romano.

Organização da medicina do império romano

Antes da implementação da legislação reguladora da actividade médica, pelo imperador Augusto, qualquer pessoa que falasse bem (um filósofo qualquer) poderia exercer a profissão. Após a regularização da actividade essa facilidade deixou de existir e os médicos passaram, pela primeira vez na história ocidental, a constituir uma classe trabalhadora profissional.

Para além da regularização, o imperador dividiu os médicos em duas classes bem definidas: os médicos militares, que prestavam cuidados às tropas terrestres e marítimas e aos prisioneiros capturados, e os médicos públicos, que prestavam auxílio aos cidadãos em geral e escravos. Também ordenou que cada município do império, isto é, cada núcleo habitacional considerável possuísse obrigatoriamente, pelo menos, um médico oficial que tenha tido educação nalguma das principais universidades do império; como as de Roma ou Alexandria.

O hospital romano

Os principais locais de trabalho de um médico romano eram os templos de Asclépio, os vários consultórios espalhados pelo império e os hospitais. Estes últimos eram as estruturas especializadas unicamente no tratamento e cura de doentes, onde trabalhavam os médicos mais capazes do império. Estas estruturas começaram por ser unicamente militares, mas mais tarde tornaram-se instituições públicas. Eram muito importantes para uma cidade, pelo que só as mais importantes é que possuíam pelo menos um.

A partir das descrições feitas por algumas pessoas que trabalhavam nos hospitais romanos foi possível fazer a recriação computorizada de um hospital romano: a estrutura inicial, por onde todos os doentes entravam, era a chamada casa do porteiro. Este era o espaço onde era feito a regulação do fluxo dos doentes que vinham ao hospital. Depois da casa do porteiro entrava-se para uma ala espaçosa, onde era feita a triagem dos doentes e donde estes eram encaminhados para as várias partes do hospital. Havia uma sala operatória na parte central do hospital, complexo de banhos com retretes e autoclismos, cozinhas onde eram preparadas as dietas saudáveis e equilibradas para os doentes em fase de convalescença, pelo menos um dispensário (estabelecimento de beneficência onde davam-se consultas e medicamentos gratuitos), dormitórios e uma casa mortuária.

No geral em termos de organização estes hospitais assemelhavam-se muito aos modernos. A ala espaçosa estava ligada a todo o hospital por amplos corredores de 3,5m de largura por 6 de altura, permitindo um rápido encaminhamento dos doentes a todas as partes do hospital e uma rápida circulação das pessoas e do ar.

É de salientar que a sala operatória era o local mais importante do hospital. Importantes cirurgias ou até pequenas intervenções eram aí realizadas. Assim, de modo a proporcionar as melhores condições de trabalho ao médico e de aumentarem as probabilidades de sucesso da operação, tinha de cumprir certos pré-requisitos: a sala deveria ser espaçosa o suficiente para nela se movimentarem 2 médicos e vários ajudantes; estar orientada para sul (de modo a captar o máximo de luz possível) e possuir equipamento de esterilização como braseiras ou lareiras.

Nos dormitórios eram alojados os doentes. É de notar que estes tinham uma disposição particular em cubículos (cada doente era separado dos outros por duas paredes), com a intenção de minimizar o contágio cruzado entre os doentes.

Na casa mortuária eram armazenados os cadáveres até serem encaminhados para as piras de cremação. Por motivos de higiene e de organização situava-se no segundo andar.

Conhecimento médico romano

A equivalência desta medicina antiga com a actual "contrasta" com os modelos anatómicos e fisiológicos em vigor. Enquanto um aluno moderno reconhece facilmente o sistema respiratório, a função do coração, do cérebro e sabe identificar os diferentes tipos de ossos, na antiguidade este conhecimento era parcialmente desconhecido. A prática de exumação de corpos era tabu e só era permitida na cidade de Alexandria. No entanto, a anatomia era considerada toda a base do conhecimento médico e, o seu conhecimento, a condição primária para se o ser.

As sucessivas tentativas de Aristóteles e de Galeno para descobrirem o funcionamento da máquina humana culminaram num modelo não totalmente correcto, mas de certa forma coerente do ponto de vista funcional. O corpo humano era constituído por 3 sistemas principais e interligados: o cérebro e os nervos, responsáveis pelas sensações e pensamentos; o coração e as artérias, responsáveis pela distribuição da energia vital pelo corpo; e o fígado e as veias, responsáveis pela nutrição e crescimento. De acordo com Galeno, o sangue formar-se-ia no fígado e seria transportado para todos o corpo, onde seria utilizado com ingrediente principal na criação da carne e outras substâncias. Uma pequena parte dele seria depois conduzido para os pulmões, onde seria misturado com o ar, e encaminhado para o ventrículo direito do coração. Passaria depois para o esquerdo através de poros existentes no septo. Finalmente era canalizado ou para o resto do corpo, onde desempenharia outras funções, ou para o crânio, onde era refinado e transformado no pneuma físico: uma substância material que conduziria as sensações por todo o corpo, através dos nervos. Este modelo tinha uma coerência e capacidade explicativa muito fortes, tendo por isso prevalecido por muito tempo.

As intervenções cirúrgicas tinham como base estes modelos. Uma delas era a trepanação – remoção de um pedaço do osso do crânio para fins terapêuticos. Embora haja registos e provas de que era praticada desde a pré-história, só na sociedade romana é que começou a ser utilizada como tratamento secundário de certas doenças como a encefalite. Assim, a abertura do crânio serviria para retirar o líquido acumulado no crânio, evitando infecções ainda mais gerais no cérebro e aliviando a pressão neste.

Outra intervenção cirúrgica era a cataratopiese. Era e é considerada das intervenções oftalmológicas mais delicadas e também das mais praticadas. Consistia na remoção de cataratas ou do cristalino, através da introdução de uma agulha. Uma variante deste tratamento consistia também na introdução de uma agulha oca no cristalino durante uma fase inicial em que a catarata não estaria tão endurecida. O médico poderia então remover a catarata com recurso à sucção desta. É de referir que os instrumentos que os médicos romanos usavam para estas intervenções eram muito semelhantes aos usados pelos médicos actuais.

Ao contrário do que seria de esperar, estas operações eram encaradas com grande optimismo. De facto sabe-se que a taxa de sucesso era grande o suficiente para os doentes poderem gozar saudavelmente o resto das suas vidas.

Não eram só as cirurgias e os conhecimentos anatómicos que eram avançados para a época. Também os métodos de desinfecção utilizados, com recurso a álcool e vinho, e de saramento, com utilização de pensos e costuras com fios de seda, eram eficazes. De facto, o único problema que estas intervenções causavam eram algumas infecções, apenas se a seda ou o material do apoio não fossem bem desinfectados.

Uma particularidade dos médicos romanos era que encomendavam o material cirúrgico antes de realizarem as operações. Eram feitos exclusivamente para um tipo de operação com um tipo de material muito especial que não oxidava facilmente e há relatos que os médicos deixavam-no de molho em álcool antes da cirurgia. Este veio a constituir o primeiro aço cirúrgico da história da medicina.

Matéria Médica

Como já foi referido anteriormente, na teoria, o uso de plantas ou medicamentos no tratamento das doenças era encarado como um meio secundário e utilizado apenas quando os sintomas não atenuavam ou passavam. Por isso, quando era necessário, eram administradas plantas medicinais ao doente.

A administração de plantas medicinais para fins terapêuticos não era feita de qualquer maneira. De acordo com a teoria dos quatro humores, numa determinada doença havia excesso ou défice de um determinado humor, causando o já conhecido desequilíbrio humoral; por isso, um medicamento deveria ser administrado de forma a contrariar a tendência humoral da doença e repor o equilíbrio, isto é, deveria diminuir ou aumentar a quantidade de um dos humores.

Hoje em dia utilizamos e administramos os medicamentos de acordo com os sintomas que nós ou o doente apresenta. No entanto, no período helenístico e greco-romano, os gregos desenvolveram um método sofisticado de selecção e utilização dos medicamentos de acordo com as suas propriedades para contrariar ou facilitar a produção de um determinado humor. Esse método baseava-se no gosto, cheiro e características físicas da planta e obedecia a uma série de princípios, uns de carácter mais elementar e outros mais complicados e elaborados. Apresentam-se aqui alguns dos mais básicos:

  • A planta medicinal deve ser administrada deve ter propriedades opostas, em termos de qualidades, à natureza do desequilíbrio humoral de forma a restabelecer o mesmo;
  • A planta medicinal deve semelhante em força e em influência à severidade da doença;
  • A planta medicinal deve ser específica para o humor, princípio vital, órgão ou parte do corpo em tratamento;
  • Em caso de excesso de um humor a planta medicinal deve facilitar a sua expulsão ou destruição do corpo;
  • Em caso de défice de um humor a planta medicinal deve facilitar a reposição, aumentar a força ou suprimir o humor em falta;
  • Em situações em que o humor é impedido de circular como deve de ser, a planta medicinal deve facilitar essa movimentação;
  • As plantas medicinais devem ser aplicadas para limpar o corpo de impurezas, humores mórbidos e excreções para que ele possa ser nutrido e restaurado como deve de ser com o auxílio de tónicos. Se o doente estiver muito fraco podem administradas plantas de efeito mais fraco;
  • Não se deve fazer mal ao doente. Por isso, a planta deve ser dada com o objectivo de melhorar a saúde, vitalidade, resistência e imunidade do doente;
  • Deve-se aprender o máximo que se puder sobre os efeitos da planta antes de a usar. Não só se deve saber as indicações e as condições em que deve ser usada, como também se deve conhecer a sua potência, meio de administração e dosagem.

Saúde Pública

Todos os conhecimentos herdados dos gregos fundidos com as descobertas romanas culminaram na saúde pública romana. Os romanos acreditavam que a limpeza conduzia à saúde e era um meio de prevenção de várias doenças. Tal era explicado pelo facto de eles já terem conhecimento que as taxas de incidência das doenças era maior nas zonas pantanosas e sujas do que propriamente nas zonas mais próximas de cursos de água fresca.

Assim, para melhorarem a saúde dos cidadãos, ao longo do tempo foram construídas várias infra-estruturas que permitiram um melhor acesso dos cidadãos a esse privilégio, nomeadamente os aquedutos (forneciam água potável a todos os cidadãos), os banhos públicos (onde os cidadãos com menos posses podiam cuidar da sua higiene corporal e mental) os barbeiros e as clínicas. Há até relatos que já havia médicos especializados em tratamentos estéticos e dentários.

De facto, uns dos principais problemas dos romanos eram as cáries. Quando tal acontecia, o dente cariado era arrancado e o cidadão ficava com um buraco no seu lugar, sendo impedido de comer normalmente. Terá sido nesta altura que se desenvolveram as primeiras próteses dentárias feitas à base de marfim. Era talhadas na forma do dente que faltasse, furadas e fixadas na boca do paciente com a ajuda de um fio de ouro e seda. Este avanço permitiu aos romanos manterem as suas dietas equilibradas e melhorar a sua aparência física, mesmo após a morte (eram enterrados com eles).

De facto a saúde pública não era muito diferente da que os países industrializados actualmente apresentam: os cidadãos tinham acesso a vários tipos de comidas, os focos de doença eram postos sobre quarentena quando existiam, os mortos eram cremados, a limpeza das ruas era feita regularmente, os esgotos eram comuns nas grandes cidades e o acesso a água potável era gratuito e generalizado.


Considerações finais

No final da vida de Cláudio Galeno a medicina romana atingiu o seu apogeu, não tendo sido feitas mais descobertas significativas neste ramo. Tal veio a suceder-se porque os seus sucessores depararam-se com uma medicina bastante avançada e preparada para responder a qualquer situação, considerando-a toda descoberta. A partir dessa altura as únicas obras feitas por médicos foram resumos das obras médicas de referência.

Depois da queda do império romano aconteceram várias coisas ao conhecimento médico: ou foi destruído, ou foi guardado a sete chaves nos mosteiros ou foi aproveitado pelo império romano do oriente e pelos árabes. Em termos de preservação essa foi a melhor coisa que pode ter acontecido, uma vez que ele continuou a ser posto em prática, foi desenvolvido e permitiu mais tarde o renascimento europeu na área da medicina.

Bibliografia

Sigerist, H. E.; AHistory of Medicine, Oxford University Press, 38ª edição, New York

Alioto, A. M.; A History of Western Medicine, 2ª edição, PRENTICE HALL, 1993, New Jersey

WWW.GREEKMEDICINE.NET, consultada no dia 20 de Maio de 2009, às 15:30


Bibliografia perdida

Para algumas partes do trabalho, perdi algumas das fontes, principalmente as que diziam respeito à organização da actividade médica no império romano.

Quanto à descrição do hospital romano, foi baseada num programa que passou no canal história à 4 anos intitulado "tesouros da antiguidade - medicina greco-romana".

Advertisement