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Salernoescola

Escola de Salerno (miniatura de Canon de Avincenna)

Também conhecida como Scuola Medica Salernitana, a Escola de Salerno foi o primeiro centro medieval de Medicina leiga. Surgiu junto ao Mar Etrusco, numa estação de cura.

Na cidade de Salerno, ao sul de Nápoles, durante o século X, reuniu-se uma comunidade de médicos, professores, estudantes e tradutores, com a finalidade de criar a primeira faculdade de medicina do Ocidente. O seu corpo docente de médicos, professores, freiras e monges foi o primeiro dos tempos medievais.

Esta escola foi a mais prestigiada neste ramo durante a época medieval europeia.



Introdução histórica


O ensino médico no Ocidente só foi institucionalizado na Idade Média. Após a invasão do Império Romano pelos bárbaros no séc. V, a medicina na Europa, como toda a cultura clássica greco-romana, refugiou-se nos mosteiros. Diversas ordens religiosas preservaram grande parte dos manuscritos existente até à data sobre medicina e tomaram a seu cargo o cuidado aos enfermos como um preceito cristão. Pequenos hospitais e albergues eram encontrados junto aos mosteiros, onde os enfermos eram atendidos.

Assim, nos primeiros séculos da Idade Média, a situação dos estudos e do exercício da Medicina na Europa, oscilava entre a medicina laica que seguia as tradições romanas e a medicina escolástica praticada nos conventos.


Localização


Salerno é uma pequena cidade litoral situada ao sul de Nápoles, na Itália. Sempre foi procurada pelos enfermos, em virtude do seu clima ameno e saudável, o que consequentemente, também atraiu muitos médicos para a cidade.


História da formação da Escola Salernitana


A Escola teve sua sede original no dispensário dum mosteiro fundado no século XIX, e alcançou o seu maior esplendor durante os séculos X e XIII, desde as últimas décadas do domínio lombardo. Um dos mosteiros que mais se destacaram no cuidado aos enfermos como obrigação cristã foi o de Monte Casino, na Itália, fundado por S. Bento em 529, de onde surgiu a ordem dos Beneditinos.

Além dos clérigos, havia, paralelamente, médicos leigos menos preparados, espalhados por toda a Europa. Esta situação iria perdurar por cerca de 3 séculos, até que surgisse a Escola de Salerno.

Já em 820, os Beneditinos fundaram um hospital em Salerno e passaram a exercer a medicina ao lado dos médicos leigos. Os monges tinham conhecimento dos autores clássicos, como Hipócrates e Galeno, enquanto os leigos eram médicos práticos de pouca cultura.

Há referências ao ensino da medicina em Salerno já no século IX, sendo o seu impulsionador Alfano I, arcebispo de Salerno. Porém a sua institucionalização só se deu em 1075, graças a Constantino, o Africano, cujas traduções do árabe ganharam para a cidade o título de Hippocratica Civitas ou Hippocratica Urbs. A partir daí a escola estabeleceu um currículo regular e passou a receber auxílio financeiro dos governantes.

Pessoas de diversas partes do mundo frequentaram a Schola Salerni, tanto os doentes, na esperança de se recuperarem, como estudantes, para aprender as artes da medicina.

A sua fama cruzou fronteiras, como provam os manuscritos salernitanos mantidos em diversas bibliotecas europeias e os testemunhos históricos. No século XII e XIII, o autor do poema Regimen sanitatis Salernitanum fez uma referência notória à cidade de Salerno nos seus versos, com o intuito de denotar o trabalho que lá era desenvolvido, dando-lhe assim credibilidade.

A Escola manteve a tradição cultural greco-romana, combinando-a harmoniosamente com as culturas árabe e judaica, e acolhia estudantes de todos os credos e sexos (eram aceites mulheres tanto como alunas como professoras, fenómeno muitíssimo inovador para a época). Este encontro de diferentes culturas levou ao surgimento do conhecimento medicinal a partir da síntese e da comparação de diferentes experiências, como evidencia a lenda que atribui a fundação da Escola a quatro mestres: o judeu Helino, o grego Ponto, o árabe Adela, e o latino Salerno. Na Escola, além do ensino da medicina existiam cursos de filosofia, teologia e direito.

É de salientar que ao longo do tempo, a influência da Igreja na escola de Salerno declinou progressivamente até desaparecer por completo.


Ensino


A escola de Salerno contribuiu principalmente para o desenvolvimento da medicina como profissão.

O curso médico exigia estudos preparatórios e preliminares na faculdade de artes e mais 5 anos, o último dos quais equivalente ao actual internato.

As aulas consistiam na leitura de textos adequados com posteriores comentários, discussões e avaliação dos conhecimentos. O método de ensino baseava-se essencialmente na memorização e discussão dos textos das aulas. Os ensinamentos lecionados aos alunos achavam-se consubstanciados num poema intitulado Flos medicina ou Regime Sanitatis Salernitanum, do qual existem cerca de 300 edições em várias línguas. Este poema contém uma série de regras para conservar a saúde e destaca-se pela sua isenção de supertições, baseando-se em fontes galénicas, hipocráticas e pseudoaristotélicas.


Este é um pequeno excerto do poema: Se quereis conservar-vos incólume e sadio,/ evitai os cuidados ansiosos, guardai-vos da ira./ Poupai o vinho, sede parco na ceia; não julgueis inútil/ o levantar-vos após a refeição e fugi da sesta ao meio dia/ Reter as urinas ou a defecação seja-vos interdito/ Guardando estes conselhos, longo tempo heis de viver/ Caso vos faltem médicos, três coisas suprirão suas vezes:/ hilaridade, repouso e dieta moderada.


Os livros escritos pelos professores de Salerno eram principalmente textos didáticos, alguns com feição de verdadeiras apostilas. Muitos deles não trazem sequer o nome do autor. Outros são traduções de textos árabes feitas por Constantino o Africano, que se tornou conhecido como Magister orientisetoccidentis.

Destacavam-se as aulas práticas de anatomia (sendo utilizados como modelos, os porcos) com as correspondentes dissecações, sendo esta prática considerada o estímulo mais importante para um ensino mais criterioso e mais rigoroso dos cirurgiões. O domínio da língua latina também era fundamental.

Após este processo de aprendizagem era obrigatória e execução de um exame final para o exercício de medicina. Aos alunos aprovados fornecia-se um diploma e uma licença para exercer a medicina.


NOTA:A primeira titulação médica foi regulamentada em 1140 por Rogério II da Sicília, estabelecendo a obrigatoriedade de um exame oficial para o exercício da medicina. Esta disposição foi depois reafirmada em 1240, no Édito de Melfi, promulgado por Frederico II. Frederico instituíu a obrigatoriedade de um curso superior em Salerno para os médicos, ao mesmo tempo em que proibiu qualquer sociedade entre médicos e farmacêuticos e determinou que estes tinham de dispensar os medicamentos de acordo com as receitas médicas e as normas da arte provenientes de Salerno.


Obras


Das obras nascidas da Escola de Salerno nos séculos XII e XIII, destaca-se o Tractatus de aegridinum curatione, obra colectiva de vários mestres de Salerno, onde se reúnem os ensinamentos de medicina geral.

A Trotula, professora da Escola de Salerno, é associada a obra De passionibus mulierum, que aborda temas como ginecologia, obstetrícia e cosmética.

Ao conjunto de saberes ministrados aos estudantes de Salerno, destaca-se a Articella,um conjunto de textos didácticos que incluem normalmente a Isagoge de Johanitius, a In arte parva de Galeno, o Prognostikón de Hipócrates, o Liber pulsum de Philaretros e o Liber urinarum de Teophilus.

Nas obras de conteúdo farmacêutico e terapêutico salientam-se o Antidotarium, de Nicolau Salernitano e o De simplici Medicina (ou Circa instans, as duas palavras com que se inicia o texto) de Matheus Platearius, o Jovem.

O Antidotarium de Nicolau era dirigido exclusivamente aos estudantes de medicina; contudo, em 1322, a Faculdade de Medicina de Paris determinou ser obrigatória a sua existência em todas as boticas, tornando-o um dos receituários mais utilizados por médicos e farmacêuticos durante a Idade Média. Continha nas obras iniciais 115 fórmulas farmacêuticas, contudo as versões mais recentes excediam as 175, ordenadas alfabeticamente e com um apêndice sobre pesos e medidas. Providenciava receitas de medicamentos, que tinham por base o açúcar e o mel, possibilitando a sua conservação por longos períodos e portanto, pudendo ser dispensados à medida que eram requisitados.

Já o Circa instans possui cerca de 250 artigos sobre drogas medicinais, também ordenadas alfabeticamente, referindo-se às suas propriedades, etimologia e história.

Foi também nesta escola que Ruggero de Frugardo, escreveu a primeira obra com importância sobre cirurgia e chamada Post mundi fabrican. Durante 3 séculos foi o livro cirúrgico adoptado e mais seguido em toda a Europa.

Por fim, apesar de já ter sido referido anteriomente é de salientar a grande obra Regimen Sanitatis Salernitanus, um grande poema com cerca de 360 versos, de que se conhecem três centenas de edições em várias línguas, sendo a primeira impressa a de Pisa, em 1484. Inclui um conjunto de conselhos relativos a higiene e saúde que tiveram grande e prolongada influência, tanto na medicina erudita como na popular, sendo considerado a espinha dorsal de toda a literatura de prática médica até ao aparecimento do Renascimento. Milhares de médicos, aos longo dos tempos, sabiam estes poemas de cor.


Personalidades célebres de Salerno


As primeiras figuras da escola foram Garioponto, autor de um enorme número de textos bizantinos denominado Passionarius Galeni e Alfano, médico que aprendeu em Montecassino e foi arcebispo de Salerno, cuja obra é igualmente de influência bizantina e greco-síria.

A influência médica árabe e o consequente amadurecimento da personalidade própria do Studium Salernitanum dá-se em finais do século XI com Constantino, o Africano. Natural de Cartago, dedicou-se ao comércio de drogas e viajou entre o Oriente e a Europa até se instalar em Salerno, trazendo consigo uma selecção de vários manuscritos médicos árabes. Munido de uma carta de recomendação do arcebispo Alfano, foi recebido no mosteiro de Montecassino, onde se converteu ao cristianismo. Na qualidade de irmão leigo, traduziu várias obras médicas importantes do árabe para o latim, num total de cerca de três dezenas de textos, durante os anos seguintes.

Benevenuto Grasso foi o autor de Practica oculorum, um manual de doenças dos olhos que foi tido como texto clássico de oftalmologia durante 500 anos.

Gilles de Corbeil, o qual escreveu todas as suas obras em versos, também deu um importante contributo à Escola de Salerno. Um dos poemas, Carmina urinarum, é dedicado à uroscopia, um dos métodos diagnósticos mais utilizados na época. Descreveu 20 cores diferentes de urina.

Rogerius Frugardi, cuja obra, conhecida por Cyrurgia Rogerii, foi posteriormente adoptada em outras escolas. Nela existe a recomendação do uso de algas marinhas no tratamento do bócio.


Declínio da Escola de Salerno


A partir de 1300, dá-se o declínio da Escola de Salerno e da medicina daqueles tempos. Os médicos só se preocupavam em usar ricos e sumptuosos trajes, com a uroscopia e a investigação do dia e da hora em que devia ser feita a sangria. Os estudos de anatomia e fisiologia foram abandonados.

A medicina caíu tanto que havia que fazer algo por ela. É como resposta a isso, que aparecem as primeiras Universidades ou Estudos Gerais. Uma das primeiras, foi criada em Montpellier.


Bibliografia


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